Debate do estado da Nação mostra um País mais injusto e desigual

«Não roubarão a esperança<br>numa vida melhor»

Lei­turas dís­pares quanto à si­tu­ação do País e ao seu fu­turo e quanto à ava­li­ação da acção do Go­verno e da sua po­lí­tica es­ti­veram em con­fronto no der­ra­deiro de­bate do es­tado da Nação da Le­gis­la­tura.

O País re­tro­cedeu e está hoje mais em­po­bre­cido, mais in­justo e de­si­gual, mais de­pen­dente

À ficção da «eco­nomia a crescer» e do «de­sem­prego a descer», que a re­tó­rica da mai­oria PSD/​CDS-PP atribui à «es­tra­tégia de rigor, cres­ci­mento e cre­di­bi­li­dade» do Go­verno, opôs o PCP a re­a­li­dade nua e crua do País real e do quo­ti­diano dos por­tu­gueses.

«Um País mais en­di­vi­dado, mais de­pen­dente, com mais de­sem­prego, mais emi­gração, com mais po­breza e mais in­jus­tiças», no olhar crí­tico e ri­go­roso do Se­cre­tário-geral do PCP.

E este foi pre­ci­sa­mente o quadro que as ban­cadas da mai­oria e do Go­verno omi­tiram ou ten­taram ca­mu­flar nos seus dis­cursos, im­preg­nados todos eles pela tese da «re­toma» e do «bom ca­minho», de que se ali­menta a pro­pa­ganda do Go­verno.

Essa fora de resto a tó­nica da in­ter­venção ini­cial de Passos Co­elho e que per­passou nas suas sub­se­quentes ao longo das quatro horas de de­bate, de onde so­bres­saíram so­bre­tudo três eixos bem de­fi­nidos, todos já per­fu­mados pela pro­xi­mi­dade elei­toral. O pri­meiro, o da auto-glo­ri­fi­cação. Qual su­pe­ração do «Cabo das Tor­mentas», ouviu-se que foi exe­cu­tado o «maior pro­grama de re­formas da his­tória de­mo­crá­tica», a «dis­cussão é agora quanto é que a eco­nomia vai crescer e qual o ritmo da des­cida do de­sem­prego», o «País soube su­perar-se», o «Go­verno al­cançou as metas a que se propôs». Um se­gundo eixo, de es­tí­mulo à con­fi­ança. A dis­ci­plina nas contas per­mitiu con­jugar «con­so­li­dação or­ça­mental e re­cu­pe­ração eco­nó­mica» e, com isso, pers­pec­tivar a re­versão dos «cortes» e um «alívio fiscal», apre­sen­tado-se aos por­tu­gueses um «ho­ri­zonte de maior equi­dade e jus­tiça», foi dito, com Passos Co­elho a pro­clamar ainda que «os por­tu­gueses têm ra­zões para acre­ditar que vi­verão me­lhor no fu­turo». Um ter­ceiro, de dra­ma­ti­zação quanto à pos­si­bi­li­dade de qual­quer ce­nário al­ter­na­tivo. O chefe do Go­verno não se cansou de ad­vertir para as «con­sequên­cias da ir­res­pon­sa­bi­li­dade, da li­gei­reza po­lí­tica e da dis­tracção ide­o­ló­gica», face a qual­quer pers­pec­tiva de in­ter­rupção do ac­tual ca­minho.

Ilu­sões

Afi­nadas pela mesma ba­tuta, as in­ter­ven­ções das ban­cadas da mai­oria apro­fun­daram estas mesmas li­nhas, com Luís Mon­te­negro (PSD), por exemplo, a enal­tecer a «fir­meza es­tra­té­gica e sen­tido de res­pon­sa­bi­li­dade» do Go­verno, os quais, disse, ex­plicam que o País es­teja «hoje me­lhor do que há quatro anos». Su­bli­nhou, por outro lado, que o «PSD en­cara o fu­turo com muita con­fi­ança», pa­lavra que re­petiu mais de uma dúzia de vezes, tendo, in­clu­si­va­mente, ac­tu­a­li­zado uma cé­lebre má­xima sua - «o país está me­lhor, os por­tu­gueses é que ainda não o sentem» -, as­se­ve­rando que «foi feita uma trans­for­mação que se está a re­flectir na vida, no quo­ti­diano de muitos por­tu­gueses».

O agitar do medo e da chan­tagem, esse, es­teve so­bre­tudo a cargo do CDS-PP, com Nuno Ma­ga­lhães, em tom in­fla­mado, a con­vidar os por­tu­gueses a me­di­tarem sobre os riscos de um quarto res­gate «muito mais duro» do que em 2011, caso haja in­flexão neste rumo. Mas foi o vice-pri­meiro-mi­nistro, Paulo Portas, no fecho do de­bate, quem levou mais longe a ameaça, con­si­de­rando «um pavor ima­ginar que em Por­tugal pu­desse su­ceder o que está a acon­tecer na Grécia».

Mis­ti­fi­ca­ções

Não re­siste porém ao con­fronto com a re­a­li­dade a nar­ra­tiva do Go­verno e da mai­oria de que o «País cresce de forma sã, cada um co­meça a ter opor­tu­ni­dade de con­cre­tizar o seu pro­jecto de vida», como afirmou o líder par­la­mentar do PSD.

Je­ró­nimo de Sousa de­mons­trou-o logo na fase ini­cial do de­bate na in­ter­pe­lação ao pri­meiro-mi­nistro após o dis­curso de aber­tura por este pro­fe­rido, rei­te­rando a sua aná­lise de forma mais de­ta­lhada na in­ter­venção final que fez em nome do Grupo Par­la­mentar do PCP.

A mis­ti­fi­cação em torno da dí­vida pú­blica é um dos casos que, em sua opi­nião, exem­pli­fica a gi­gan­tesca mis­ti­fi­cação que en­volve os re­sul­tados da acção go­ver­na­tiva. De­pois de lem­brar que os sa­cri­fí­cios foram anun­ci­ados em nome da re­so­lução do pro­blema do en­di­vi­da­mento do País, Je­ró­nimo de Sousa con­cluiu que após in­co­men­su­rá­veis cortes, perdas e des­graças a dí­vida cresceu 50 mil mi­lhões e o País tem hoje uma dí­vida que é em per­cen­tagem do PIB uma das mai­ores do mundo (ver caixa).

Mas a go­ver­nação nestes quatro anos não foi apenas contra os por­tu­gueses e o País. Para o líder co­mu­nista, o que se ve­ri­ficou igual­mente é que ela foi con­du­zida ao ar­repio de todas as pro­messas feitas ao elei­to­rado.

Ao longo do de­bate foi o que de­mons­traram os de­pu­tados co­mu­nistas. Entre va­ri­a­dís­simos exem­plos, Jorge Ma­chado trouxe à me­mória essa frase do can­di­dato Passos Co­elho em que este dizia em plena cam­panha elei­toral que «o País o que pre­cisa para su­perar esta si­tu­ação de di­fi­cul­dades não é de mais aus­te­ri­dade». «Diz agora que "existem no País bolsas de po­breza", que quer "guerra sem quartel contra as de­si­gual­dades", quando foi o Go­verno o res­pon­sável pelo pior agra­va­mento da po­breza desde o fas­cismo, atin­gindo mais de dois mi­lhões e 7700 mil de­sem­pre­gados», ver­berou o de­pu­tado do PCP.

Men­tiras

Antes, Je­ró­nimo de Sousa acu­sara já Passos Co­elho de «deixar o País com altos ní­veis de de­sem­prego - um mi­lhão e du­zentos mil por­tu­gueses - e mais de 500 mil por­tu­gueses em­pur­rados para emi­gração», de­pois de re­cordar que há quatro anos o que se ouvia eram «so­lenes pro­cla­ma­ções as­se­gu­rando que o de­sem­prego não podia au­mentar mais».

O mesmo em re­lação aos im­postos - «ju­raram que não au­men­ta­riam se fossem go­verno», ob­servou -, sendo que «não só au­men­taram todos os im­postos sobre quem tra­balha, como fi­zeram o maior au­mento de im­postos de sempre».

Je­ró­nimo de Sousa pôs ainda em evi­dência o que não pode deixar de ser clas­si­fi­cado como grossas men­tiras dos par­tidos do Go­verno, como seja a jura de que não ha­veria cortes nos sub­sí­dios, quando é certo que a pri­meira me­dida adop­tada foi «cortar o sub­sídio de Natal e a se­guir os sa­lá­rios e as re­formas».

«Ga­ran­tiam que não po­diam ser as fa­mí­lias a pagar a crise nem haver mais cortes na função pú­blica, mas com este Go­verno os ren­di­mentos de tra­balho so­freram uma des­va­lo­ri­zação de 16,5%, em termos reais, e de pra­ti­ca­mente o dobro na Ad­mi­nis­tração Pú­blica, com um enorme im­pacto no poder de compra das fa­mí­lias», re­fe­ren­ciou ainda o res­pon­sável má­ximo do PCP, antes de pôr a nu esse outro em­buste que foi a pro­cla­mada in­tenção de pôr termo à «par­ti­da­ri­zação da Ad­mi­nis­tração Pú­blica», quando, afinal, o que se ve­ri­ficou é que «inun­daram as che­fias e cargos di­ri­gentes no Es­tado de co­mis­sá­rios do PSD e do CDS».

Je­ró­nimo de Sousa não se es­queceu, por fim, da afir­mação de Passos Co­elho de que «nin­guém nos verá impor sa­cri­fí­cios aos que mais pre­cisam», tendo in­clu­si­va­mente de­fen­dido que «os que têm mais terão que ajudar os que têm menos». Pois é o que vê, ob­servou: «o es­tado da Nação que deixam é o es­tado de um País em­po­bre­cido e com mais 800 mil por­tu­gueses a viver abaixo do li­miar da po­breza. Um País cada vez mais in­justo e mais de­si­gual».

Re­trato negro

«Um País onde uma em cada dez cri­anças se en­contra em pri­vação ma­te­rial se­vera e onde mais de 13 mil cri­anças têm como única re­feição quente a que tomam na es­cola», lem­brou a de­pu­tada co­mu­nista Rita Rato.

O País onde se viveu o caos nos ser­viços de ur­gência, das «am­bu­lân­cias VMER pa­radas porque o Go­verno quis poupar na emer­gência mé­dica», do au­mento brutal dos custos com a saúde e das taxas mo­de­ra­doras, do adiar de ci­rur­gias e da não re­a­li­zação de exames, da san­gria de mi­lhares de mé­dicos e en­fer­meiros do SNS, de­nun­ciou, por seu lado, a par­la­mentar do PCP Carla Cruz.

Mais dí­vida, mais de­pen­dência, mais de­sem­prego, mais emi­gração, mais po­breza, tal é, pois, em sín­tese, o re­trato do País, na pers­pec­tiva do PCP, que o en­cara não como um «exer­cício de ba­lanço ou de es­ta­tís­tica» mas com a pre­o­cu­pação de que por de­trás de cada nú­mero es­ta­tís­tico está a «vida ar­rui­nada e em­po­bre­cida de mi­lhões de por­tu­gueses a quem querem até roubar a es­pe­rança numa vida me­lhor e mais digna», como su­bli­nhou Je­ró­nimo de Sousa.

E é para que tal não acon­teça, ga­rantiu, que o PCP pros­segue a sua luta, «tal qual o povo sa­berá fazer o jul­ga­mento de­vido, tendo em conta o es­tado das suas vidas, tendo em conta o es­tado da Nação».




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